O grupo interinstitucional NEVE (NÚCLEO DE ESTUDOS VIKINGS E ESCANDINAVOS, criado em 2010) tem como principal objetivo o estudo e a divulgação da História e cultura da Escandinávia Medieval, em especial da Era Viking, por meio de reuniões, organização de eventos, publicações e divulgações em periódicos e internet. Parceiro internacional do Museet Ribes Vikinger (Dianamarca), Lofotr Viking Museum (Noruega), The Northern Women’s Art Collaborative (Universidade de Brown, EUA), Reception Research Group (Universidad de Alcalá) e no Brasil, da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e PPGCR-UFPB. Registrado no DGP-CNPQ. Contato: neveufpb@yahoo.com.br

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

VIKINGS EM SANTA CATARINA!



Johnni Langer (UFPB/NEVE)


Durante o século XIX a crença na suposta presença de navegadores nórdicos em terras brasileiras antes de Cabral era um consenso entre os acadêmicos. Mas um fato pouco conhecido na atualidade é a teoria de que eles estiveram no litoral catarinense, no qual recuperamos alguns elementos neste breve ensaio.

Tudo teve início com narrativas sobre supostas inscrições que teriam sido encontradas na Ilha do Arvoredo, SC (ao noroeste de Florianópolis), durante o início do Oitocentos. Nesta época circulavam estórias sobre supostos “Letreiros”, como eram conhecidas as manifestações visuais dos antigos indígenas (conhecidas em nossos dias como petróglifos ou gravuras rupestres). Embebidos em idéias eurocêntricas, tanto os moradores locais quanto os intelectuais da região não acreditavam que essas esculturas geométricas teriam sido realizadas pelos antigos habitantes da região, mas seriam vestígios de povos "mais avançados" perdidos na bruma dos tempos – no caso, navegantes europeus antes de Colombo e  Cabral.

Reprodução de "Inscrições do rochedo dos Arvoredos", de Jean-Baptiste Debret, 1834.


Mergulhado neste referencial, o viajante e artista Jean-Baptiste Debret percorreu esta região e realizou um registro dos petróglifos indígenas da Ilha do Arvoredo, posteriormente inserido em sua obra Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (1834). Nela, percebemos claramente que ele concede um referencial civilizatório aos vestígios, tomados como “inscrições”. No início do Oitocentos, diversos estudos deram fama ao referencial da epigrafia arqueológica – os hieróglifos egípcios foram traduzidos em 1822 por Champollion, lançando um modismo intelectual da busca por antigas e misteriosas escritas perdidas pelo mundo todo. E além disso, o caráter “monumental” era algo recorrentemente buscado, tendo o painel da Ilha do Arvoredo todos estes elementos: era inóspito, localizado no mar, afastado das grandes cidades da época.

Em 1839 os historiadores do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) iniciaram seus estudos na famosa Pedra da Gávea, RJ, que também supostamente conteria uma inscrição misteriosa. O bibliotecário e mineralogista do gabinete imperial, Rochus Schuch, enviou uma cópia das inscrições da Gávea, alegando que as mesas eram “runas”, portanto, teriam sido esculpidas pelos navegantes nórdicos durante a Idade Média. Schuch foi influenciado pelas publicações do escandinavista Carl Rafn, que em seu livro Antiquitates Americanae (1837) afirmava que os vikings estiveram na América do Norte (especialmente na região da Nova Inglaterra), tendo como base uma série de inscrições em rochedos. Os arqueólogos modernos confirmam que também se tratavam de gravuras esculpidas pelos indígenas locais, assim como os da Ilha do Arvoredo, mas para os referenciais da época eram provas concretas da passagem de navegadores europeus.

Os acadêmicos do IHGB tomaram muito entusiasmo pelos escritos de Carl Rafn, tanto que acabaram traduzindo alguns de seus artigos na Revista do Instituto. Também o paleontólogo e correspondente do IHGB, Peter Lund, de origem dinamarquesa e que estava pesquisando em Minas Gerais durante essa época, acreditava que os nórdicos haviam visitado o litoral brasileiro durante o medievo.

No final de 1839, o IHGB recebe uma carta de Florianópolis, aludindo às ditas inscrições da Ilha do Arvoredo, que poderiam ser de origem escandinava, confirmando as hipóteses dos pesquisadores cariocas. Imediatamente um sócio corresponde do Instituto, Falcão da Frota, é enviado para pesquisar o dito “letreiro”, o que acaba não acontecendo.

Painel dos "Letreiros", Ilha do Arvoredo, SC.

 Com o porvir dos anos 1840, as pesquisas arqueológicas do IHGB concentram-se na busca da cidade perdida da Bahia (hoje sabemos que foi uma localidade imaginária). E após a década de 1850, a hipótese viking acaba sendo transferida para o espaço amazônico, uma região ainda mais misteriosa e inacessível que nosso litoral. As ditas inscrições da Gávea acabaram caindo no ostracismo intelectual após o final do império (a geologia moderna confirma que são produtos de erosão) e os petróglifos da Ilha do Arvoredo são hoje buscados pelos turistas e arqueólogos. Quanto a sua ligação com os vikings, foi curta mas instigante, demonstrando que por diversas vezes a academia procurou criar uma origem gloriosa para a nação brasileira, afastando-se do seu verdadeiro passado material. Mas pela internet é possível verificar que a miragem dos vikings no Brasil e América do Sul não é totalmente morta, sendo ainda buscada pelos diletantes e pesquisadores amadores. O sonho nunca termina, apenas transfere sua residência...



Bibliografia:

LANGER, Johnni. Os vikings no Brasil. Habitus 1 (Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia), 2003, pp. 75-102.


LANGER, Johnni. Vikings, cultura e região: o mito arqueológico nórdico dos Estados Unidos. Olho da História n. 18, 2012. Disponível em: https://www.academia.edu/1858786
 

LANGER, Johnni. Vikings na selva. Revista de História, 2012. Disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/quadrinhos/vikings-na-selva